primeiro poema do dia dois de março


juro que me matar às
vezes se torna
um caminho
embora não precise
jurar nada a você agora
que lê
e se você ler agora talvez
saiba
se me matei ou não
se vivo num sítio ou não
se dou aula de literatura ou
reviso um jornal
se fui morar fora do país
ou só me mudei
ou se nem fiz nenhuma dessas duas coisas
se me casei ou ainda não
se ainda fumo
se tenho problema no fígado
nos rins
se fumar fez eu ter câncer
se as bandas que eu ouvia
não existem mais
se os escritores que eu conhecia
ainda estão vivos
ou se morreram
se meus colegas que escreviam
estão ainda por aí
se conheço algum ainda
ou se os desconheci

e se eu me matei
o que você me diria? o que dizer
para este cara que agora escreve estes versos
vivo e ouvindo rádio num fone
no quarto com a luz apagada e uma
xícara de café esfriando
no chão
descalço?
não existem pessoas
capazes de dizer não se mate

porque não existem argumentos
pra se dizer
não se mate

não se mate por mim (?)
a vida não é ruim (?)
viverei o bastante para ouvir
um pássaro gritar no meu ouvido

mas se esse grito que ouço
fosse meu ultimo? ninguém leria
esse poema
no meu funeral
porque ele nunca existiu
meu funeral estará lotado de
familiares chorando
se perguntando
o motivo pelo qual
me suicidei

e se eu estivesse vivo não saberia
dizer-lhes porque
mas se estivesse vivo não saberia
dizer o porque estou vivo
também

se eu me casar
o que minha mulher dirá ao ler esse poema? você
era um suicida?
ela me verá chorar no banheiro? minhas angústias
se modificarão?

se ela me olhar nos olhos e disser
que conseguia
ver o que eu sentia
se ela me falar isso
se ela me conhecesse nesse momento
seria um pouco
mais
interessante

e se minha mulher não conhecer
meu eu suicida? acho que
ela terá
se casado com o homem errado

se uma pessoa não conhece
o seu pior
lado
não há como
saber
no que as coisas sucederão

queria pegar um carro e não cair
no precipício
propositalmente.

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